segunda-feira, 27 de abril de 2015

objeto
do meu mais desesperado desejo
não seja aquilo
por quem ardo e não vejo

seja a estrela que me beija
oriente que me reja
azul amor beleza

faça qualquer coisa
mas pelo amor de deus
seja

(Paulo Leminski)
Um Poema Quase Feito - Charles Bukowski
Eu te vejo bebendo em uma fonte com minúsculas
mãos azuis, não, suas mãos não são minúsculas,
elas são pequenas, e a fonte fica na França
onde você me escreveu aquela última carta e
eu respondi e nunca mais ouvi falar de você.
Você costumava escrever poemas insanos sobre
ANJOS E DEUS, todos em maiúscula, e você
conhecia artistas famosos e muitos deles
eram seus amantes, e eu escrevi de volta, tudo certo,
vá em frente, entre em suas vidas, não tenho ciúme
porque nunca nos encontramos. Nós chegamos perto uma vez em
Nova Orleans, uma meia quadra, mas nunca nos encontramos, nunca
nos tocamos. Então você se foi com famosos e escreveu
sobre os famosos, e, claro, o que você descobriu
é que os famosos estão preocupados com
sua fama -- não com a bela garota jovem na cama
com eles, que dá pra eles aquilo, e depois acorda
de manhã para escrever poemas em letra maiúscula sobre
ANJOS E DEUS. Sabemos que Deus está morto, eles nos disseram,
mas ao ouvir você eu não estava certo. Talvez fossem as
maiúsculas. Você foi uma das melhores poetisas e eu disse aos editores,
"ela, edite-a, ela é louca mas é mágica.
Não há mentira em seu fogo." Eu te amei
como um homem ama uma mulher que nunca toca, apenas
escreve para ela, mantém pequenas fotos dela. Eu teria
te amado mais se eu tivesse sentado em um pequeno quarto enrolando
um cigarro e ouvido você mijar no banheiro,
mas não aconteceu. Suas cartas ficaram mais tristes.
Seus amores te traíram. Criança, eu respondi, todos
os amores traem. Não ajudou. Você disse
que tinha um banco para chorar e ficava perto de uma ponte e
a ponte era sobre um rio e você sentou no banco
toda noite e lamentou pelos amores que te
machucaram e esqueceram. Eu te respondi mas nunca recebi
resposta. Um amigo me escreveu sobre seu suicídio
3 ou 4 meses depois de acontecido. Se eu tivesse te encontrado,
eu provavelmente teria sido injusto com você ou você
comigo. Foi melhor assim.

segunda-feira, 13 de abril de 2015

AUTOPSICOGRAFIA

O poeta é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.

(Fernando Pessoa)

Ode aos sentimentos injustiçados

Ninguém terá, lhe digo
direito a calar as dores
que me causaram, sinto!

E veto veemente
aquele que me diz demente
pela intensidade latente
ou mera confusão da mente.

Hei de extinguir sabores
os toques, os cheiros, as cores
nada há de ser como d'antes
jamais permitir-ei que cantes
como se o de outrora nada fosse.

Amor é um passarinho
se pode morrer no ninho
mas estejas livre a voar
porém sem ti, ao vento
se esfacela ao relento
se monta em outro lugar!

Para uma menina com uma flor (tatuada na perna)

Selvagens, olhos negros!
olhos de lince
olhos profundos
teus olhos são furacões
que gritam o melhor do mundo

Teu doce e acastanhado
cheiro, teu recheio, tua voz!
Os pelos que sobrepõe a maciez da tua pele, meu algoz...

Talvez te tiro de mim
a mais bela projeção
Reduzo-te a mera ilusão, tu
sonho descontrolado
meu pesadelo amado!
Teu brinco perolado...
Selvagem, olhos negros!

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Nu com a minha lírica

Quando poderei despir-me
do pano, do engano, da máscara?
a gente fecha o olho pra tudo fingindo que é feliz
mas é só sair uma fagulha
um caco
uma faísca
uma poeira
uma migalha
de si
de dentro
do fundo
que tudo vira bosta, já dizia rita lee.